A dor de pôr fim à carreira e a tentação de voltar

Aos 37 anos e com 27 recordes do mundo ao longo de uma carreira de duas décadas, Haile Gebrselassie afirmou numa entrevista que a sua preparação para os Jogos Olímpicos 2012 decorria como planeado. Isto foi dois dias antes de o atleta etíope abandonar com apenas 25 quilómetros percorridos a maratona de Nova Iorque, com problemas no joelho. "Para mim, andar a dizer constantemente o que se passa comigo é mau, por isso já chega. Por que não hei-de parar?" E anunciou o fim da carreira.

Esta quinta-feira, depois de uma grande comunidade de figuras da Etiópia e do atletismo se ter feito ouvir contra a saída de cena de um dos seus maiores vultos, Gebrselassie voltou atrás com a palavra. O bicampeão olímpico dos 10 mil metros comentou no seu Twitter: "Adoro correr e sempre gostei. Vou pensar nisso". O detentor do recorde da maratona disse que queria competir nos Jogos de Londres, em 2012. Como ele, a história do desporto está cheia de comebacks. Bem e mal sucedidos.

"A transição de carreira, o fim da carreira desportiva e a passagem para outra coisa é pouco preparado e pouco planeado", diz Jorge Silvério, doutorado em Psicologia Desportiva. "Não pensam no futuro, a carreira está no auge e os atletas esquecem-se que um dia há-de acabar. O choque é muito grande".

Há exemplos de todo o tipo: desportistas que abandonam o palco num momento próspero como Zidane ou Pelé, que regressaram com êxito ao nível que tinham quando deixaram a primeira vez como Foreman ou no primeiro dos dois regressos de Jordan. E os que voltaram com um péssimo resultado como Mohammed Ali, que perdeu os seus dois combates no seu retorno à competição - um deles ante um dos seus maiores rivais, Larry Holmes. Caiu Ali, duplamente, o seu corpo e o seu estatuto.

"Chega o dia em que Babe Ruth deixa de ser Babe Ruth, e que Joe Louis é derrotado por KO por um italiano fabricante de salsichas, em que John Barrymore não pode recitar um monólogo de Hamlet. Chega o dia em que estás terminado, em que os anos te deixam KO", reconhecia no seu volume das histórias do famoso 5th Street Gym Ferdie Pacheco, o segundo de Muhammad Ali no canto do ringue. Ele que ganhou a alcunha de "The Fight Doctor" e deixou o cargo voluntariamente em 1977. Era a voz que recomendava a retirada dos pugilistas antes de chegarem os últimos anos amargos. Mas era pouco escutado.

Michael Schumacher em 1996, quando chega à Ferrari e alcançou um palmarés inestimável - enriquecido com cinco títulos mundiais - hoje é a sombra disso. Então por que voltou? "A grande maioria precisa de encontrar, de ir à procura (das) sensações de vitória, da adrenalina. Como não tinham planeado a saída, sentem falta daquelas sensações", lembra Jorge Silvério. "Porque viviam comandados pelas vitórias e pelo sucesso". E têm medo de encontrar o fim, não lidam bem com isso, com o enorme vazio que a sua vida parece ser.

Regresso é bom para o lucro
Nalguns casos não é só adrenalina e a falta de desporto. São também as razões económicas que os fazem sentir forçados a voltar. A tenista Martina Hingis parou em 2002 e voltou em 2006. E abandonaria no final de 2007. Bastou a tenista suíça anunciar o seu regresso para os patrocinadores baterem palmas. Em Janeiro de 2006, regressou e venceu o Open de Itália e atingiu as finais de dois torneios, incluindo a Rogers Cup. Chegou ao Open dos EUA no número 8 do ranking mundial.

O que se passou nesses oito meses foi o suficiente para agradar a qualquer patrocinador. Nesta geração, as quatro estrelas que ganharam uma visibilidade global - Hingis, Anna Kournikova e Venus e Serena Williams - tinham estado fora do jogo ou com participações irregulares. Phil de Picciotto, o representante de Hingis na agência Octagon, diz que a tenista proporcionou uma oportunidade para capitalizar em 10 milhões as receitas da empresa. A imagem de Hingis, uma das melhores na sua altura, com cinco títulos do Grand Slam e uma reputação de menina bonita fora dos courts, tornou-se um cameback perfeito para as marcas que a patrocinavam.

"É sempre uma decisão difícil para um atleta", disse na altura com 40 anos Mario Lemieux, um dos melhores de sempre no hóquei no gelo, no Hall of Fame desde 1997, no final do seu primeiro abandono. "O que posso dizer aos jogadores mais novos é para desfrutarem cada momento. A vossa carreira acaba muito rápido", aconselhou.

Woods e Armstrong
Dois norte-americanos em dois desportos distintos e o mesmo calvário após o regresso. Só a saída de cena foi diferente, tudo o resto é semelhante nas carreiras do golfista Tiger Woods e do ciclista Lance Armstrong. O primeiro saiu dos campos de golfe devido aos escândalos sexuais e, desde que voltou, faz agora um ano, deixou de ganhar. O antigo número um e múltiplo vencedor de títulos (14 Grand Slam) é uma sombra neste regresso à competição. Como Armstrong: o Tour nunca foi o mesmo depois dele, mas ele também nunca mais foi o ciclista que conquistou sete Voltas à França (dominou tudo entre 1999 e 2005) depois de ter voltado, em 2009.