Após empurrão, Vanderlei é ovacionado com bronze

Vanderlei Cordeiro de Lima na chegada, ovacionado, ao estádio olímpico de Atenas 2004 / Foto: Andy Lyons / Getty Images

Rio de Janeiro - Abrindo a segunda metade do especial de dez momentos olímpicos incríveis, o Esporte Alternativo conta hoje uma história que comoveu o mundo todo nos Jogos de Atenas, em 2004, e que envolveu um atleta brasileiro, o maior maratonista que o país já teve, Vanderlei Cordeiro de Lima. 

Dono de uma carreira invejável, com inúmeras vitórias em grandes maratonas mundo afora (campeão em Reims, na França, em 1994; em Tóquio, em 1996; na maratona internacional de São Paulo, em 2002), dois Jogos Pan-Americanos, e duas participaçõs em Olimpíadas (47º em Atlanta 1996 e 75º em Sydney 200), o paranaense ainda estaria por viver o maior momento de sua carreira. 

No ciclo olímpico que antecedeu os Jogos de Atenas, Vanderlei anotou duas grandes conquistas, que carimbaram seu passaporte para a capital grega: o título da maratona internacional de São Paulo, em 2002, e o ouro nos Jogos Pan-Americannos de Santo Domingo, em 2003. 

Começou ainda o ano olímpico com uma vitória surpreendente na maratona de Hamburgo, na Alemanha, o que lhe deu gás suficiente para começar os treinos específicos para as Olimpíadas. 

O grande dia - Na manhã de 29 de agosto de 2004, Vanderlei guardou consigo uma carta de seu treinador de toda uma vida, Ricardo D'Angelo que, por não ser do corpo técnico do Comitê Olímpico do Brasil (COB), não pode acompanhar o atleta na prova. As palavras escritas ali impulsionariam o atleta nos momentos mais difíceis. 

"Lembre-se da forte subida no quilômetro 30. Se você estiver se sentindo bem, arrisque, porque se não arriscar, você nunca vencerá. Minha confiança em você é imensa, então vamos lutar pelo objetivo com que sonhamos há tanto tempo. Não importa o que aconteça no fim, lembre-se que você sempre terá minha amizade e confiança, e também lembre-se que eu o admiro pela pessoa maravilhosa que você é. Então, boa sorte, e vamos tomar uma cerveja juntos depois da corrida", escreveu D'Angelo. 

Padre irlandês impede sonho do ouro olímpico / Foto: Nick Laha / Getty Images

Extremamente bem preparado para a prova, Vanderlei conseguiu se desvencilhar do pelotão antes da metade da prova e liderava por quase uma hora, inclusive após a desgastante subida do quilômetro 30 do percurso, lembrada pelo seu técnico na carta de estímulo. 

Atrás do brasileiro vinham grandes nomes da maratona, como o italiano Stefano Baldidini, prata em Atlanta 96 e campeão europeu da prova e o favorito, o queniano Paul Tergat, que já vinha porém demonstrando forte desgaste. 

O inusitado ocorre - Tudo parecia bem para Vanderlei até a altura do quilômetro 35 quando o inesperado prejudicou seus planos da vida toda: Cornelius Horan, um ex-padre irlandês caracterizado como tal, furou o bloqueio da segurança grega, correu até Vanderlei e o empurrou para fora do percurso. O brasileiro, jogado para a torcida, perdia ali sua tão cobiçada medalha de ouro. 

Os segundos que se passaram até que um grego conseguisse retirar o padre de cima de Vanderlei foram cruciais. O atleta voltou à prova, visivelmente perturbado com aquilo que tinha acabado de ocorrer, ainda na liderança, mas com muito menos diferença - antes do ocorrido, o brasileiro tinha mais de 30s à frente, agora por volta de 15s. 

A forte interrupção dos músculos de Vanderlei, que vinham num ritmo intenso, e o psicológico, altamente abalado, deixaram o atleta em visível desvantagem contra quem vinha atrás dele. Para seus concorrentes, essa desvantagem era estímulo para que conseguissem ultrapassá-lo. 

E conseguiram. Primeiro Baldini e depois o americano Meb Keflezighi, respectivamente medalha de ouro e de prata na prova. Vanderlei, mesmo com o prejuízo inusitado que lhe ocorreu, conseguiu manter o fôlego e um louvável terceiro lugar. Entrou no estádio olímpico fazendo seu tradicional aviãozinho, ovacionado por brasileiros, gregos, por homens e mulheres que viram nele refletidos os valores da garra, perseverança e espírito esportivo. 

Espíritos estes que garantiriam ao brasileiro, no encerramento dos Jogos, a cobiçada medalha Pierre de Coubertin, concedida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) a atletas que valorizam a competição olímpica mais do que a vitória em si. A elevada honra havia sido dada, pela última vez em 1988, ao velejador canadense Lawrence Lemieux, cuja história o Esporte Alternativo já contou neste mesmo especial semanas atrás (confira aqui). 

Vanderlei em uma de suas homenagens que recebe até hoje: carregando a tocha olímpica em Londres 2012 / Foto: LOCOG / Getty Images

Vanderlei hoje - Ano passado, no aniversário de 10 anos do feito de Vanderlei, o atleta disse ter aceitado seu destino e não ousou reclamar do empurrão do padre que lhe tirou a medalha de ouro. 

“O ano de 2004 foi de muita provação para mim. Em janeiro, ainda não tinha minha vaga garantida e sofri um acidente de moto. Mas eu tinha que correr em abril para conseguir tempo para classificar para Atenas. Então, liguei para o Ricardo (D’Angelo, técnico) e o avisei sobre o acidente. Ele primeiro brigou comigo, mas depois me deu um voto de confiança. Foi esta confiança que me empurrou rumo à medalha. Nossa conquista começou naquele momento, porque, ali, eu já tinha praticamente jogado a toalha”, contou Vanderlei, em entrevista ao portal Terra. 
 
Sobre o ocorrido, ele diz que temeu pela própria vida e não teve como reagir porque o padre veio pela sua lateral. "Eu cheguei a pensar que ele atentaria contra a minha própria vida. Como isso não aconteceu, não passou em nenhum momento pela minha cabeça a possibilidade de desistir da prova. Eu só queria sair daquela situação e voltar a correr. Esse pensamento foi determinante para que eu conseguisse seguir na maratona e ainda conquistar a minha medalha de bronze", concluiu o maratonista. 
 
Vanderlei se aposentou após disputar a maratona de Paris, em 2009 e mantém hoje, aos 45 anos, o Instituto Vanderlei Cordeiro de Lima (IVCL). Criado em 2008, o IVCL é um antigo sonho do atleta, cujo objetivo é "proporcionar a prática lúdica do atletismo, aliada às atividades educativas e culturais, com crianças e adolescentes entre 11 e 18 anos", segundo critérios de aptidão física e socioeconômicos. 
 
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