Entrevistas

Adriana Behar: "Minha vida era bem corrida para poder terminar a graduação"

Bicampeã mundial, duas vezes medalhista olímpica e hexacampeã do Circuito Mundial de vôlei de praia, trabalha pelo desenvolvimento do esporte olímpico brasileiro / Foto: Saulo Cruz/Exemplus/COB
 
Adriana Behar: "Minha vida era bem corrida para poder terminar a graduação"
 
Carioca, da gema e de Copacabana, Adriana Behar é um dos principais nomes da história do vôlei de praia brasileiro. Ao lado de Shelda formou uma dupla quase imbatível, desde meados dos anos 90 até meados da década seguinte. Juntas, conquistaram dois títulos mundiais (além de uma prata e um bronze), duas medalhas de prata olímpicas (Sydney 2000 e Atenas 2004) e seis títulos do Circuito Mundial (cinco deles de forma consecutiva). 
 
Hoje, do lado de fora das quadras, Behar empresta sua experiência em prol do desenvolvimento do esporte brasileiro, comandando a Gerência Geral de Planejamento Esportivo do Comitê Olímpico do Brasil. Adriana Behar é a primeira entrevistada da série “Depois do Jogo”, que irá apresentar os ex-atletas olímpicos ou pan-americanos que hoje trabalham no COB para oferecer um nível de excelência cada vez maior aos atletas do Time Brasil. 
 
Como você começou no esporte?
Meu pai era professor de educação física e minha mãe sempre gostou de esporte. Então, sempre tivemos muito incentivo em casa. Fiz patinação artística no Flamengo, participando até de shows. Na época chamava-se Mengo sobre Rodas. A quadra de patinação ficava ao lado do ginásio, e toda vez que eu tinha folga, mesmo de patins, corria para ver treinos e jogos de vôlei do Flamengo. Em uma dessas, fiz um teste e passei para a equipe Infantil, mas minha mãe só me deixou participar no ano seguinte, pois tinha medo que atrapalhasse os meus estudos. Comecei na quadra aos 16 anos. Depois de alguns anos fui jogar em Portugal e na Itália. Em 93, com saudade de casa, voltei ao Rio e percebi que o vôlei de praia poderia ser uma boa oportunidade, pois eu sempre vivi na praia e a modalidade vinha ganhando força. Eu tinha uns 23 anos quando comecei no vôlei de praia, e fiquei até os 38.
 
Quais as suas melhores lembranças do tempo de atleta?
Por mais que seja sacrificante, com muito treino, dedicação, superação e disciplina, o ambiente esportivo é fantástico. É um ambiente competitivo, mas transparente e muito justo. Você ganha ou perde em cima das suas condições. O resultado é conseguido a longo prazo, mas isso é traduzido em desafios e superações diárias. O ambiente que eu e a Shelda criamos, particularmente, era fantástico. Tivemos nossa dupla por 12 anos. Além de ter foco profissional, tínhamos muito respeito, admiração e envolvimento. Todos focados com o mesmo objetivo. É claro que as vitórias... e tivemos muito mais vitórias do que derrotas... também são muito marcantes. A emoção de você ganhar uma competição, ir para o pódio, estar em primeiro e ouvir o hino nacional, não tem preço. E, obviamente, as viagens, as conquistas, os desafios, tudo isso fica marcado para sempre. Junto com os títulos.
 
Qual a sua formação?
Quando ainda estava no vôlei de quadra, me formei em educação física pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Eu dava meu jeito. Saía de casa pela manhã, ia treinar, voltava para casa para estudar, treinava novamente à tarde, e depois ia para a faculdade. Minha vida era bem corrida para poder terminar a graduação. Depois, quando pensei em parar, decidi fazer uma pós-graduação. Aí, já tinha o meu diploma de educação física, fui para uma área de gerenciamento, e escolhi Gestão de Negócios. Mais à frente, fiz também um MBA.
 
Como foi a sua vinda para o COB?
Eu já tinha parado de jogar, quando o Bernard (Rajzman) e o Nuzman (Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB) me procuraram para saber se eu gostaria de participar de uma apresentação com o Comitê de Campanha para os Jogos Olímpicos. Eles estavam indo para a Indonésia, para uma reunião com os Comitês Asiáticos. Como a Indonésia sempre recebeu etapas do Circuito Mundial de vôlei de praia, eles me convidaram. Eu fui, participei da apresentação junto com o Nuzman e com a comitiva. Foi o primeiro contato que tive com a entidade depois que eu parei de jogar. Depois, me convidaram também para o SportAccord, que era outro evento para apresentar a candidatura. O Brasil já estava entre os quatro finalistas para a sede de 2016. E, então, o Nuzman, juntamente com o Marcus Vinícius Freire, me convidou para ser Chefe de Missão dos Jogos Olímpicos da Juventude Cingapura 2010. Eu já tinha ido como voluntária para os Jogos Sul-americanos de Praia Montevidéu e Punta del Este 2009, no Uruguai, mas ainda não tinha relação direta com o COB. Então, fui a primeira mulher a ser chefe de missão, em Cingapura. Fiquei encantada. Achei muito bacana, mas descobri o quanto é difícil o desafio de estar do outro lado das quadras e das piscinas, tendo que ficar atenta o tempo inteiro, 24h por dia para poder servir e oferecer as melhores condições para os atletas. Era outro mundo para mim. Depois disso, o Nuzman me convidou para trabalhar no COB, em uma área esportiva, podendo contribuir e colaborar com a minha experiência como atleta, entendendo os desafios e contribuindo para o esporte e os atletas brasileiros. Estou no COB desde agosto de 2011. 
 
Como é o dia a dia do seu trabalho aqui no COB?
A área que eu lidero é a de Planejamento e Relacionamento com as Confederações. Trabalhamos junto com todas as entidades. Não apenas no planejamento a longo prazo, mas também no planejamento anual, global, em cima de metas, prioridades e objetivos. Entendendo cada vez mais o ambiente e os cenários das entidades, podemos orientar, analisar o planejamento, o investimento, o plano de trabalho, e como isso pode ser feito para priorizar o desenvolvimento esportivo. E isso torna-se um relacionamento, de confiança, de parceria e de trabalho em equipe. Então, nosso trabalho é colaborar com as entidades, para que elas possam atingir suas metas, dentro de suas realidades, do seu ambiente interno, do seu ambiente externo e, obviamente, dentro do seu ambiente orçamentário e financeiro. 
 
Qual a importância de uma transição de carreira adequada para um atleta?
O atleta vai se desenvolvendo e treinando com foco em resultado ao longo de sua carreira. Mas ela, infelizmente, é curta. Eu levei a minha carreira até os 38 anos, mas não são todos que conseguem isso. A faixa etária de encerramento é bem mais baixa. Em determinado momento você encerra a carreira e vai fazer o quê? Como se inserir num novo mercado de trabalho, identificando as suas habilidades e atrelando a novas possibilidades? É um momento de reflexão, de auto-análise, e até contraditório. Você ainda está treinando, respirando aquele ambiente e precisa pensar no que vai fazer depois. É algo que não está tão estabelecido dentro do ambiente esportivo. Então, você precisa entender como você vai migrar, utilizando toda sua experiência, conhecimento, podendo ainda aproveitar o que você tem dentro de um ambiente esportivo. O Programa de Carreira do Atleta (PCA) foi muito importante para mim. Não é fácil parar de competir e deixar de ser atleta. Você muda toda a sua rotina, seu ambiente, sua segurança, muitas vezes até financeira. Você tem patrocínio, estrutura montada e premiações. Mas esse programa de transição me deu tranquilidade de saber por onde trilhar o meu caminho. Ir ao longo da carreira, preparando um suporte que facilite as coisas na transição. Que seja um conhecimento financeiro, um apoio de carreira, não pensando no fim, mas pensando que isso é uma continuidade. É um trabalho de construção. Se isso for feito de forma natural, a transição será mais natural. 
 
Qual projeto/ação te deu mais satisfação aqui no COB?
Acho que os Jogos Olímpicos da Juventude ficarão sempre marcados para mim. Você poder estar próximo de uma geração de novos atletas, num ambiente olímpico, algo que não existia na minha época, foi fantástico. Poder trazer mais atletas, jovens atletas para esse ambiente olímpico, para a experiência de uma competição multiesportiva, de nível internacional, traz uma nova perspectiva. E também participar de qualquer missão com uma delegação brasileira é sempre muito bacana. É como se você estivesse voltando um pouco para as quadras como atleta. E no nosso dia a dia, tudo que podemos identificar, trabalhar e atingir metas, são conquistas, prazeres e realizações diárias que temos aqui no COB.

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