Exclusivo: árbitro internacional cita lixo na Baía como preocupação em 2016

Imagem aérea dá panorama da Baía de Guanabara / Foto: Esporte Alternativo

Rio de Janeiro - A situação da água da Baía de Guanabara, sede das provas de vela dos Jogos Olímpicos de 2016, já foi tema de inúmeras discussões envolvendo ambientalistas, atletas e dirigentes da modalidade. 
 
O fato do governo estadual não ter conseguido cumprir com a meta estabelecida previamente, de limpeza de 80% das águas da Baía, suscita dúvidas quanto à segurança dos velejadores durante as regatas olímpicas. 
 
Em busca de esclarecer a questão, a praticamente um ano das Olimpíadas, o Esporte Alternativo entrevistou Ricardo Lobato, nome conhecido no mundo da vela. Além de velejar desde os sete anos na Baía (nas classes Optimist, Snipe, Laser e Star), ele faz parte do Comitê de Regras da ISAF (Confederação Internacional de Vela) e é árbitro internacional há 15 anos. 
 
Para se ter ideia da influência de Lobato no mundo da vela, o também velejador fez parte do quadro de juízes da Volvo Ocean Race, um dos campeonatos mais famosos da modalidade no mundo. 
 
Na entrevista, ele comentou com exclusividade as recentes repercussões negativas a respeito da Baía. Alguns atletas estrangeiros chegaram a levantar a hipótese de doenças por conta da água e fizeram forte lobby para que as provas fossem transferidas para Búzios. No entanto, segundo Ricardo, se houver aumento dos coliformes fecais, poderia ocorrer "micose ou uma leve dor de barriga". Além disso, para o árbitro, "existem diferentes interesses" no que diz respeito ao lobby dos atletas. 
 
Confira, abaixo, a íntegra da entrevista com Ricardo Lobato:
 
EA: Todos acompanhamos a questão da vela olímpica na Baía de Guanabara, que acabou se tornando um imbróglio por conta do não cumprimento da meta de despoluição estabelecida pelo governo estadual. Por que você acha que o objetivo não foi cumprido?
 
Ricardo Lobato: O problema me parece mais complicado que inicialmente parece. O crescimento desordenado da cidade, principalmente nas favelas, dificulta a realização das obras de saneamento. É como querer colocar a meia depois de ter calçado o tênis. A única cidade com saneamento no Brasil é Brasília, que teve planejamento. A maior parte do esgoto é jogado clandestinamente no sistema de aguas pluviais. É preciso fazer toda uma rede de esgoto para chegar nas estações de tratamento. 

Embarcação veleja na Baía de Guanabara, palco das provas de vela nas Olimpíadas de 2016 / Foto: Esporte Alternativo

EA: Alguns atletas estrangeiros fizeram lobby para que as provas de vela fossem transferidas para Búzios. Você acha que seria melhor?
 
RL: Tem melhores condições de vento. Mas, não acho boa ideia. A vela ficaria longe de tudo, reduzindo a nossa exposição. O Rio é uma ótima raia, com um belo visual e vai ser um evento inesquecível. 
 
EA: Por outro lado, velejadores brasileiros consideram a possibilidade de que esse lobby tivesse a ver com o aspecto técnico das águas da Baía, que apresentariam maior dificuldade para quem não está acostumado a velejar nelas, como os estrangeiros. O que você acha disso?
 
RL: Existem diferentes interesses. Alguns dos nossos atletas até poderiam ir melhor em outras raias. Os americanos querem correr dentro da Baía porque acham que esta raia favorece eles. Já os australianos e ingleses preferem ventos fortes e Búzios seria a melhor opção para eles. Mas, na realidade, todo mundo vai velejar muito aqui até as Olimpíadas, diminuindo um pouco essa nossa vantagem de conhecer a raia.
 
EA: Velejar em águas poluídas é arriscado para os atletas, tanto no aspecto da saúde quanto do esporte?
 
RL: Não há riscos para a saúde. O INEA (Instituto Estadual de Ambiente) monitora a água mensalmente e os locais de competição estão dentro dos limites aceitáveis. Mesmo que o aumento do nível de coliformes ocorra, o risco não é grande. O ser humano vive há séculos em contato com fezes. Poderia ocorrer algumas doenças de pele como micose ou uma leve dor de barriga. 
 
EA: O não cumprimento da meta de despoluição da Baía prejudica o desempenho das provas de vela nos Jogos Olímpicos?
 
RL: Para o desempenho das regatas a principal preocupação é o lixo flutuante. Se um saco plástico prender no leme ou bolina a velocidade do barco diminui, sendo necessário parar o barco para retirar o lixo. Neste caso, o velejador azarado irá perder muitas posições. Para evitar isso há um plano de contingência com redes e barcos.
O problema do esgoto não atrapalha as regatas, mas obviamente é uma grande decepção para todos os cariocas que não terão este prometido legado.
 
EA: Por fim, poderia esclarecer o diferencial de velejar na Baía de Guanabara, que alguns atletas brasileiros mencionaram e que você, como árbitro, enxerga?
 
RL: O grande diferencial da Baía são as correntes que são afetadas pelo regime da maré. É muito dinâmico e muda a cada perna da regata. Existe muita diferença na corrente, tanto em força e direção, em pontos muito próximos da raia. É preciso muita atenção.
 
Veja Também: